05/04/2022 14:59
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DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Trata-se de Pedido de Reexame, interposto por JOSÉ ODAIR FERRARI, CPF n. 354.362.479-20, ocupante do cargo de médico, matrícula n. 300011588, referência MEDI 20, com carga horária de 20 horas semanais, pertencente ao quadro civil de pessoas do Estado de Rondônia, em face do Acórdão n. 486/2018 – 2ª Câmara, proferido nos autos do Processo n. 03189/16-TCE/RO, pelo qual se considerou ilegal o ato concessório de aposentadoria voluntária, com proventos integrais do recorrente (pág. 149 do ID 339733), ao fundamento de que foi indevidamente contabilizada a conversão de tempo de serviço especial em comum, conforme verbete sumular n. 33 do STF e item IV do Parecer Prévio PPL-TC 0028/16 deste Tribunal de Contas.
2. Cabe assentar, de início, que, na esteira da proposta de Voto apresentada pelo eminente Relator, CONHEÇO o presente Pedido de Reexame, com substrato jurídico no art. 45 da Lei Complementar Estadual n. 154, de 1996 c/c art. 90 do RITC, uma vez que restaram preenchidos os pressupostos processuais intrínsecos e extrínsecos aplicáveis à espécie versada.
3. Quanto ao mérito, anuo igualmente com o ínclito Relator e, com efeito, DOU PROVIMENTO ao vertente Pedido de Reexame, tendo em vista que a recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Federal, estabelecida por meio do julgamento do RE 1.014.286/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema 942), firmou o entendimento de que, até o advento da EC 103, de 2019, admite-se a conversão, em tempo comum, do tempo de serviço prestado pelo servidor público em condições insalubres, nos termos do art. 40, § 4º, inciso III da CF/88, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei n. 8.213, de 1991, enquanto não editada, pelo ente federado, lei complementar disciplinando a matéria, in verbis:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PEDIDO DE AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADES EXERCIDAS SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS QUE PREJUDIQUEM A SAÚDE OU A INTEGRIDADE FÍSICA DO SERVIDOR, COM CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM, MEDIANTE CONTAGEM DIFERENCIADA, PARA OBTENÇÃO DE OUTROS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE ATÉ A EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 103/2019. DIREITO INTERTEMPORAL. APÓS A EDIÇÃO DA EC 103/2019, O DIREITO À CONVERSÃO OBEDECERÁ À LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR DOS ENTES FEDERADOS. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONFERIDA PELO ART. 40, § 4º-C DA CRFB.
1. A Constituição impõe a construção de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física, conforme permite verificar a interpretação sistemática e teleológica do art. 40, § 4°, CRFB.
2. Desde a edição das Emendas Constitucionais 20/1998 e 47/2005, não há mais dúvida acerca da efetiva existência do direito constitucional daqueles que laboraram em condições especiais à submissão a requisitos e critérios diferenciados para alcançar a aposentadoria. Nesse sentido é a orientação desta Suprema Corte, cristalizada no verbete de n.º 33 da Súmula da Jurisprudência Vinculante: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”
3. Ao permitir a norma constitucional a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição, verifica-se que reconhece os danos impostos a quem laborou em parte ou na integralidade de sua vida contributiva sob condições nocivas, de modo que nesse contexto o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, equilibrando a compensação pelos riscos impostos. A conversão surge, destarte, como consectário lógico da isonomia na proteção dos trabalhadores expostos a agentes nocivos.
4. Após a EC 103/2019, o § 4º-C do art. 40 da Constituição, passou a dispor que o ente federado poderá estabelecer por lei complementar idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. Não há vedação expressa ao direito à conversão do tempo comum em especial, que poderá ser disposta em normativa local pelos entes federados, tal como operou a legislação federal em relação aos filiados ao RGPS, nos termos do art. 57, da Lei 8213/91.
5. Recurso extraordinário desprovido, com fixação da seguinte tese: “Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República”. (Grifou-se)
4. Por referidos fundamentos, cumpre destacar que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ao reformar sua jurisprudência, em atenção ao sobredito tema 942 do STF, passou a admitir a possibilidade de conversão de tempo de serviço especial para comum, para fins de concessão de aposentadoria de servidor, in litteris:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. TRABALHO PRESTADO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO PARA TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 942. ADEQUAÇÃO. — Ao apreciar o Tema 942, no julgamento do RE 1.014.286, submetido à sistemática da repercussão geral, o STF firmou a seguinte tese: Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do §4º do artigo 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n°º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo artigo 40, §4º-C, da Constituição da República". Adequação do acórdão, em juízo de retratação (TRF-4, 4° Turma, AC n° 5006214-18.2016.4.04.7111, 4° Turma, relator desembargador federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJe de 11/03/2021).
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. RESTABELECIMENTO DO ABONO PERMANÊNCIA. TRABALHO PRESTADO SOB CONDIÇÕES PREJUDICIAIS À SAÚDE OU À INTEGRIDADE FÍSICA. artigo 40, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MANUTENÇÃO DA CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. RE Nº 1.014.286. TEMA 942/STF. LABOR ESPECIAL EXERCIDO ANTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DA EC 103/2019. POSSIBILIDADE. 1 — A controvérsia cinge-se em verificar a (i)legalidade do ato administrativo que procedeu à desaverbação do tempo especial convertido em comum, reduziu o tempo total computado e, por via de consequência, suprimiu o abono permanência da remuneração dos servidores. 2 — A Administração arrima-se no entendimento do Plenário do TCU no Acórdão nº 683/2013, no sentido de que seria vedada a utilização de tempo especial convertido em comum para fins de concessão de benefícios no âmbito do regime próprio de previdência social, além da Súmula nº 245 da referida Corte. 3 — O STF, no julgamento do RE nº 1.014.286 (Tema 942), assentou de forma definitiva o posicionamento quanto ao tema em discussão, fixando a seguinte tese: Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do §4º do artigo 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n° 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo artigo 40, §4º-C, da Constituição da República. 3 — Considerando que o exercício do labor especial refere-se a interregno anterior à publicação da EC 103/2019, aplicável o artigo 57, §5º, da Lei nº 8.213/1991. 4 —Reconhecida a regularidade da conversão do tempo especial em comum e do tempo total de serviço computado, fazem jus os demandantes ao restabelecimento do abono permanência" (TRF-4, 3° Turma, AC n° 5061631-57.2014.4.04.7100, relatora desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, DJe de 24/11/2020) (Grifos originais)
5. Tem-se, desse modo, que a reforma do Acórdão n. 486/2018 – 2ª Câmara, proferido nos autos do Processo n. 03189/16-TCE/RO, para o fim de considerar legal o Ato Concessório de Aposentadoria n. 001/IPERON/GOV-RO, datado de 6.1.2016 (pág. 149 do ID3 39733), é a medida jurídica que se impõe, em homenagem ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 1.014.286/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema 942).
6. Anoto, por ser de relevo, que não se está a tratar de concessão especial de aposentadoria, mas sim, acerca da aferição da legalidade do preenchimento dos requisitos para aposentadoria voluntária, com proventos integrais, do Ato Concessório nº 001/IPERON/GOV-RO, de 06 de janeiro de 2016, com base na regra de transição do art. 3º da EC n. 47, de 2005, à luz da conversão do tempo prestado sob condições especiais em tempo comum, com consequente averbação.
7. Quanto ao item IV do Parecer Prévio PPL-TC 0028/16, assinto com o nobre Relator, no sentido de que deve ser tal item revogado, haja vista que o enunciado ali consignado restou superado (overruling ), pelo derradeiro entendimento vinculante fixado pelo STF no Tema 942, decorrente do julgamento do RE 1.014.286, submetido à sistemática da Repercussão Geral, o qual deve ser doravante, rigorosamente, observado por este Tribunal de Contas.
8. Por tudo isso, CONVIRJO, às inteiras, com a Proposta de Voto ofertada pelo eminente Relator, Conselheiro-Substituto FRANCISCO JÚNIOR FERREIRA DA SILVA e, por consequência, conheço o presente Pedido de Reexame, para, no mérito, dar-lhe provimento, a fim de se reformar o Acórdão n. 486/2018 – 2ª Câmara, proferido nos autos do Processo n. 03189/16-TCE/RO, considerando-se, com feito, legal o Ato Concessório de Aposentadoria n. 001/IPERON/GOV-RO, datado de 6.1.2016 (pg.149 do ID3 39733), em favor do Senhor JOSÉ ODAIR FERRARI, CPF n. 354.362.479-20, devendo-se, ainda, revogar o item IV do Parecer Prévio PPL-TC 0028/16, tendo em vista que o enunciado ali contido restou superado (overruling) pelo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 1.014.286/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema 942), o qual deve, doravante, ser rigorosamente observado por este Tribunal de Contas.
É como Voto.
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1. O overruling, mais conhecido, é caracterizado pela alteração do entendimento de determinado Tribunal ou órgão julgador em relação à norma jurídica. Aqui, a norma jurídica remanesce intacta em seu sentido literal, incidindo a mudança sobre a interpretação que era dada pelo Judiciário em relação a ela.
É importante que se estabeleça a seguinte premissa, quanto ao overruling: tendo em vista o dever de observância obrigatória do acórdão paradigma, evidentemente, apenas o órgão responsável pela sua edição, ainda, outro, desde que de “hierarquia” superior teria a atribuição para superá-lo. BOAVENTURA, Thiago Henrique. Você sabe a diferença entre distinguishing, overruling e overriding? Entenda a distinção entre esses três importantes institutos. Disponível em: https://thiagobo.jusbrasil.com.br/artigos/1175909560/voce-sabe-a-diferenca-entre-distinguishing-overruling-e-overriding. Acesso em 1 abril 2022.
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