08/03/2024 16:32
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VOTO
1. Assento, de saída, que, tendo em vista o empate de votos ocorrido no julgamento do presente feito, compete a este Presidente proferir o voto de desempate, conforme dicção normativa dimanada do art. 272 do RITCERO, cujo teor disciplina que se considerará “aprovada a proposição que obtiver maioria absoluta de votos dos membros do Tribunal, cabendo ao Presidente o voto de desempate”.
2. Na espécie, trata-se de Representação, com pedido de Tutela de Urgência, formulado pelo Ministério Público de Contas do Estado de Rondônia – MPC/RO, por meio da qual noticiou a ocorrência de possíveis irregularidades no pagamento da gratificação de produtividade especial aos servidores do Município de Porto Velho-RO, com base em normas inconstitucionais.
3. A celeuma vertida na espécie reside no fato de ter o Município de Porto Velho-RO realizado o pagamento de bonificações, com fulcro na Lei Complementar n. 588, de 2015, e art. 107 da Lei Complementar n. 648, de 2017, posteriormente, declaradas inconstitucionais, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 0800165-93.2021.8.22.0000, ofertada em junho de 2020, tendo transitada em julgado em 25/05/2023, após apreciação do Ag.Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.404.696 pelo Supremo Tribunal Federal, na sessão virtual de 21.4.2023 a 2.5.2023.
4. Em meio ao debate acirrado, marcado por uma “constelação” de argumentos tanto no sentido da conversão dos autos processuais em Tomada de Contas Especial quanto na sua não conversão, com as vênias de estilo às vozes contrárias, entendo que razão assiste ao ínclito Relator, Conselheiro Francisco Carvalho da Silva, pelos fundamentos que passo a expor, a brevíssimo trecho.
5. O pagamento de vantagem realizado sob a vigência de leis sobre as quais não havia sido concluída eventual inconstitucionalidade, a questão da boa-fé na concretização de tais pagamentos é evidenciada, considerando a presunção de legalidade e validade das citadas normas enquanto não declaradas inválidas pelo Poder Judiciário.
6. A esse propósito, aliás, ao relatar os autos do Processo n. 2.546/2020 (Pedido de Reexame em face da Decisão Monocrática n. 0154/2020/GCFCS, proferida nos autos do Processo n. 2.140/2020/TCE-RO), ponderei que não tendo o Poder Judiciário declarado a inconstitucionalidade das Leis Complementares ns. 588, de 2015 e 648, de 2017, deviam elas continuar a irradiar os seus naturais efeitos jurídicos que se esperam, consoante se infere do Acórdão APL-TC 00293/20, exarada no precitado recurso, in verbis:
[...]
21. Em síntese, a título de fumus boni iuris, o eminente Relator a quo destacou que as sobreditas Leis Complementares ns. 588, de 2015 e 648, de 2017, que alicerçam os pagamentos da Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada aos servidores do Município de Porto Velho-RO, seriam inconstitucionais por arrastamento, porquanto decorreriam de Leis Complementares declaradas inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia nos autos da ADIn n. 0002565-26.2015.8.22.0000 (LC n. 391 de 2010 e, por arrastamento, a LC n. 594, de 2015).
22. Ocorre que as mencionadas normas municipais (Leis Complementares ns. 588, de 2015 e 648, de 2017) não foram declaradas inconstitucionais pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.
23. Compulsando os autos da ADIn n. 0002565-26.2015.8.22.0000, constatei que o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia declarou, tão somente, a inconstitucionalidade do art. 6º e o anexo V, da Lei Municipal n. 391, de 2010 e, por arrastamento, a Lei Complementar Municipal n. 594, de 2015, consoante se infere do Acórdão infracitado, in litteris:
[...]
27. Como se vê, as Leis Complementares ns. 588, de 2015 e 648, de 2017, que fundamentam os pagamentos da Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada aos servidores do Município de Porto Velho-RO, não foram declaradas inconstitucionais pelo TJ-RO, ainda que por arrastamento.
28. Assim, não tendo o Poder Judiciário declarado a inconstitucionalidade das Leis Complementares ns. 588, de 2015 e 648, de 2017, no meu entender, devem elas continuar a irradiar os seus naturais efeitos jurídicos que se esperam, não havendo que se falar, portanto, em fundado receio de consumação, reiteração ou de continuação de lesão ao erário ou de grave irregularidade.
29. Anoto, porque de todo relevante, que não se está a falar, como de fato não digo, que tais leis complementares são ou não constitucionais, mas sim, que elas não foram declaradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário do Estado de Rondônia e que, portanto, devem produzir os seus efeitos jurídicos, de modo que tal reconhecimento de inconstitucionalidade, em fase de juízo de cognição sumária, próprio das medidas de urgência, com vistas a suprimir ou reduzir parcelas já incorporadas ao patrimônio jurídico dos servidores municipais, data venia ao Relator a quo, mostra-se, no mínimo, temerário, no meu sentir.
30. Por essa razão entendo que não está devidamente caracterizado o requisito autorizativo da Tutela Antecipada, consistente no fundado receio de consumação, reiteração ou de continuação de lesão ao erário ou de grave irregularidade (fumus boni iuris), uma vez que as Leis Complementares ns. 588, de 2015 e 648, de 2017 não forram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no bojo dos autos da ADIn n. 0002565-26.2015.8.22.0000, motivo pelo qual deve ser cassada a tutela expedida (Decisão Monocrática n. 0154/2020/GCFCS).
7. Por tais motivos, este Tribunal Contas, na esteira do voto por mim apresentado, deu provimento ao mencionado Pedido de Reexame, e, com efeito, CASSOU a Tutela Antecipatória Inibitória, consubstanciada na Decisão Monocrática n. 0154/2020/GCFCS, em razão de que, ipsis verbis:
1) As Leis Complementares n. 588, de 2015 e 648, de 2017, que fundamentam os pagamentos da Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada aos servidores do Município de Porto Velho-RO, não foram declaradas inconstitucionais pelo TJ-RO, ainda que por arrastamento, as quais devem, portanto, continuar a irradiar os efeitos jurídicos que se esperam, não havendo que se falar, destarte, em fundado receio de consumação, reiteração ou de continuação de lesão ao erário ou de grave irregularidade (fumus boni iuris);
2) Restou configurado o periculum in mora inverso, uma vez que a VPNI constitui-se em verba de natureza alimentar, que compõe a remuneração dos servidores municipais de Porto Velho-RO, cuja suspensão liminar dos pagamentos desses benefícios, decerto, ameaça a subsistência de tais servidores e de suas famílias, atraindo, desse modo, efeitos nefastos e irreversíveis, ante o potencial risco de dano irreparável ou difícil reparação a ser suportado pelos servidores municipais, notadamente em tempos de pandemia, onde o orçamento das famílias já se tem comprimido naturalmente;
3) Não há que se falar em dano ao erário municipal, uma vez que o pagamento da VPNI se funda em leis não declaradas, formalmente, inconstitucionais, cuja validade jurídica, portanto, impõe a irradiação de seus efeitos, donde se infere, no vertente caso, a boa fé dos servidores municipais na percepção desses valores, circunstância que atrai a incidência da Súmula n. 249 do TCU, pela qual é dispensada a restituição de valores de natureza alimentar recebidos de boa fé. (Cf. item III do Acórdão APL-TC 00293/20 referente ao processo 02546/20)
8. Cabe destacar, no ponto, que a possibilidade de interpretar como "aparentemente legais" os pagamentos das verbas, em decorrência da cassação da tutela que suspendeu o ato a ser realizado, remete à necessidade de analisar a boa-fé dos servidores, a ausência de influência indevida, a existência de dúvida plausível sobre a interpretação da norma no momento do pagamento e a razoabilidade da interpretação errônea da lei pela Administração.
9. Até mesmo porque a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ressalta a necessidade de avaliação das circunstâncias e orientações nos atos praticados pela Administração Pública, de modo a considerar os elementos fáticos que influenciaram tais decisões, bem como as limitações e exigências reais impostas aos gestores públicos, com vistas a evitar consequências desproporcionais tanto para os gestores quanto para a sociedade, todavia, dando-se prevalência ao princípio da boa-fé, ausência de influência indevida, dúvida plausível e interpretação razoável, ainda que equivocada, da norma pela Administração, nos termos do 22, § 1º, ipsis litteris:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
10. Com relação à possível ocorrência de dano ao erário, proveniente do pagamento dessas verbas remuneratórias (VPNI), há de se considerar que por elas terem se efetivado com fundamento nas leis não declaradas, à época dos pagamentos, formalmente, inconstitucionais, cuja validade jurídica, portanto, impunha, nessa perspectiva, a irradiação de seus efeitos, penso restar caracterizada, no vertente caso, a boa-fé dos servidores municipais na percepção desses valores, circunstância que atrai a incidência da Súmula n. do 249 do TCU, in litteris:
SÚMULA Nº 249 do TCU
É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
11. Corrobora tal posicionamento, também, o disposto na Súmula n. 34 da Advocacia-Geral da União:
Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
12. Vale dizer que o entendimento aqui expressado encontra ressonância na atual e reiterada jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça, conforme julgados a seguir transcritos, in verbis:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PAGAMENTO INDEVIDO. EQUIVOCADA INTERPRETAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO. DEVOLUÇÃO. DESCABIMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Descabe a restituição de valores recebidos de boa-fé pelo servidor em decorrência de errônea interpretação da lei pela Administração Pública. Precedente da Primeira Seção no Resp 1.244.182/PB (julgado pelo rito do art. 543-C do CPC). 2. Hipótese em que não se trata de mero erro, aferível primo oculi, mas, de concessão de benefício por mais de dez anos, circunstância que leva à conclusão de ter ocorrido interpretação equivocada por parte do órgão administrativo. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 332495; Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA; PRIMEIRA TURMA;DJe 17/06/2014)
(...)SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. EQUÍVOCO COMETIDO PELA ADMINISTRAÇÃO NA CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. BOA-FÉ CONSTATADA. PRETENSÃO DE PROCEDER A RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. [...] 2. É incabível o desconto das diferenças recebidas indevidamente, em decorrência de errônea interpretação, má aplicação da lei ou equívoco da Administração Pública, quando constatada a boa-fé do beneficiado 3. Agravo desprovido. (AgRg no RMS 25908/ SC/AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2007/0294406-9 Rel. Ministra LAURITA VAZ ; T5 -QUINTA TURMA; DJe 14/06/2011)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (I) EQUÍVOCO ADMINISTRATIVO. INEXIGIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ PELA SEGURADA. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. (II) INAPLICABILIDADE DO ART. 97 DA CF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Diante do caráter social das normas previdenciárias, que primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente. 2. Em face da natureza alimentar do benefício e a condição de hipossuficiência da parte segurada, torna-se inviável impor-lhe o desconto de seu já reduzido benefício, comprometendo, inclusive, a sua própria sobrevivência. 3. Em caso semelhante, a 1a. Seção/STJ, no julgamento do Resp. 1.244.182/PB, representativo de controvérsia, manifestou-se quanto à impossibilidade de restituição de valores indevidamente recebidos por servidor público quando a Administração interpreta erroneamente uma lei. 4. Não houve (e não há necessidade de) declaração, sequer parcial, de inconstitucionalidade dos arts. 115 da Lei 8.213/91, 273, § 2o., e 475-O, do CPC, sendo despropositada a argumentação em torno do art. 97 da CF. 5. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 395882/RS - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0310079-1. Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO; PRIMEIRA TURMA; Data da Publicação DJe 06/05/2014)
13. Nesse mesmo sentido, é remansosa a jurisprudência dos Tribunais brasileiros, que alicerçados no entendimento do TCU alhures mencionado, tem recorrentemente afirmado que a boa-fé na percepção de valores afasta a necessidade de recompor o erário, independentemente de se indagar se tal fato decorreu de erro da Administração de ordem técnica ou legal, consoante precedentes que passo a colacionar:
EMPREGADO PÚBLICO. PAGAMENTOS INDEVIDOS. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 249 DO TCU.
O entendimento jurisprudencial encontra-se sedimentado no sentido de ser inviável a devolução de valores recebidos a maior por empregado público, em face do caráter alimentar que ostenta e da boa-fé do involuntário beneficiário, independentemente de se indagar se tal fato decorreu de erro da Administração de ordem técnica ou legal. Exegese da Súmula 249/TCU). (TRT-10 - RO: 01595201301010006 DF 01595-2013-010-10-00-6 RO, Relator: Juiz Antonio Umberto de Souza Júnior, Data de Julgamento: 06/08/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: 15/08/2014 no DEJT)
EMPREGADO PÚBLICO. PAGAMENTOS INDEVIDOS. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 249 DO TCU.
Comprovada nos autos a boa-fé da Recorrida e a natureza alimentar das verbas indevidamente percebidas, não há que se falar em ofensa ao art. 186 do CCB nem em obrigação de restituir. Inteligência da Súmula 249 do TCU. (TRT-10 - RO: 00031201400210002 DF 00031-2014-002-10-00-2, Relator: João Luis Rocha Sampaio, Data de Julgamento: 22/10/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: 31/10/2014 no DEJT)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PAGAMENTO. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. SÚMULA 473 DO STF. RESTITUIÇÃO DE VALORES AO ERÁRIO. CARACTERIZADA A BOA-FÉ DO SERVIDOR. SÚMULA Nº 249/TCU.
I - “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não s originam direitos; pi revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvadas, em todos os casos, a apreciação judicial.”
II - A hipótese não enseja reposição ao erário, na medida em que o apelante estava de boa-fé ao receber a verba suprimida, que foi concedida pela própria Administração com o pagamento do adicional de insalubridade com base no Ato nº 486/2006, que incluiu o setor do autor entre os insalubres.
III - O presente caso encontra abrigo na súmula nº 249 do Tribunal de Contas da União, in verbis: “É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais”.
IV - Quanto ao pedido de indenização a título de dano moral, deve-se dizer que referido dano está relacionado à situação que ofende a dignidade da vítima, causando forte abalo de sentimento, como a dor, a angústia ou o padecimento, objetiva e injustamente experimentados. Não é o caso, pois a ré apenas procurou reaver o valor que pagou a maior.
V - Para o reconhecimento da ocorrência do dano moral há que se adotar critério lógico de exame, devendo a hipótese ser analisada à luz da chamada presunção homines (art. 335 do CPC), vale dizer, à luz da análise da repercussão que a situação ordinariamente traria. A premissa a orientar o raciocínio é a seguinte: somente quando decorrente de evento socialmente reconhecido como apto a gerar forte ofensa à dignidade, a ocorrência de dano moral deve ser reconhecida. Sensibilidade acima dos padrões não autoriza o pleito.
VI - O reconhecimento da existência do dano passível de indenização pressupõe a existência de ato ilícito, que não existe, no caso, quando a Administração apenas tentou reaver o que pagara a maior.
VII - A discussão referente à reposição ao erário pode gerar aborrecimento que não é suscetível de enquadramento como sofrimento justificador de indenização.
VIII - Apelação da parte autora e remessa necessária conhecidas e improvidas. (TRF-2 - REEX: 200851010150301, Relator: Desembargador Federal REIS FRIEDE, Data de Julgamento: 10/11/2010, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 25/11/2010)
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO DISTRITAL. GRATIFICAÇÃO POR CONDIÇÕES ESPECIAIS DE TRABALHO - GCET. PAGAMENTO INDEVIDO. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. INVIABILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ, VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. ENUNCIADO Nº 249 DO TCU. RECURSO REPETITIVO. RECURSO PROVIDO. 1. Mandado de segurança impetrado contra ato administrativo que determinou o ressarcimento de valores recebidos a título de Gratificação por Condições Especiais de Trabalho - GCET. 1.1. Sentença de improcedência, por ausência de direito líquido e certo, com base em sentença de improcedência em ação de conhecimento movida anteriormente pelas impetrantes contra o Distrito Federal. 1.2. Apelo das autoras, requerendo a concessão da segurança, sob o argumento de que têm direito líquido e certo de não restituir valores recebidos de boa-fé. 2. Os valores recebidos indevidamente pelo servidor público, mas de boa-fé, em decorrência de equívoco praticado pela Administração Pública, não são passíveis de restituição, notadamente quando referidas verbas ostentam caráter alimentar. 3. Questão tratada no enunciado nº 249, da Súmula do Tribunal de Contas da União e sujeita a precedente vinculante, nos termos do 543-C, do CPC de 1973. 3.1. "É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais". 3.2. "[...]. 1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei. 2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé. 3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público. 4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 5. Recurso especial não provido". (STJ, 1ª Seção, REsp. nº 1.244.182/PB, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 19/10/2012) 4. Seja pela própria natureza da verba de caráter alimentar, seja pela boa-fé em seu recebimento, reputa-se ilegal o ato administrativo que determina a devolução das parcelas pagas ao servidor. 4.1. No mesmo sentido, é o entendimento prevalente nesta Corte:"[...] 2. A boa-fé isenta o servidor público da obrigação de restituir os valores indevidamente lançados em sua folha de
pagamento, por não haver concorrido para o erro do órgão pagador. 3. Os valores recebidos indevidamente pelo servidor público, em decorrência de erro da Administração Pública, mas de boa-fé e que tenham natureza alimentar, não são passíveis de restituição. 4. Recurso de Apelação conhecido e provido". (1ª Turma Cível, APC nº 2015.01.1.049338-6, relª. Desª. Nídia Corrêa Lima, DJe de 27/4/2017, pp. 350/364). 5. Enfim. "Dessa forma, a gratificação foi recebida em decorrência de ato espontâneo da administração, não havendo qualquer decisão judicial que a obrigasse. Assim, há de se reconhecer que a percepção do benefício decorreu de ato administrativo, revestido de boa-fé, não havendo que se falar em restituição, até pelo seu caráter alimentício" (Dr. Jair Meurer Ribeiro, Procurador de Justiça). 5. Recurso conhecido e provido. (TJ-DF 20180110200823 DF 0025224-89.2015.8.07.0018, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 14/11/2018, 2ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/11/2018 . Pág.: 292/313
14. Como se percebe, a boa-fé extraída da análise dos vertentes autos do processo, atrai a incidência da Súmula n. 249 do TCU, segunda a qual é dispensada a reposição ao erário de valores auferidos de boa-fé.
15. Nessa ordem de ideias e considerando todos os fatos acima delineados, levando-se em consideração, também, afirmação colacionada pelo Conselheiro Substituto Francisco Júnior Ferreira da Silva, parágrafo 16 do seu Voto-Vista, consistente na assertiva de que, “após o trânsito em julgado da ADI 0800165-93.2021.8.22.0000, que declarou a Lei Complementar n. 588, de 2015 inconstitucional, o Município de Porto Velho-RO cessou os pagamentos da parcela aos seus servidores, conforme verificado no portal da transparência municipal, demonstrando o acatamento da decisão judicial e a observância da legalidade”, compreendo ser desnecessária e contraproducente a instauração de tomada de contas especial para se perquirir valores percebidos de boa-fé, sob a égide de normas não declaradas inconstitucionais.
16. Por tais motivo e em atenção ao conteúdo normativo do art. 272 do RITCERO, ACOMPANHO, integralmente, o Voto proferido pelo eminente Relator, Conselheiro Francisco Carvalho da Silva.
17. Vindo deste cenário fático-jurídico, tenho por certo entender que nada obstante, a minha manifesta convergência com o voto apresentado pelo ilustre Relator, sugiro, a título de cautela, que seja DETERMINADO aos gestores do Município de Porto Velho-RO que adote as providências necessárias, com vistas a obstar/estancar qualquer pagamento de vantagem pessoal a servidores, com base na Lei Complementar n. 588, de 2015, e art. 107 da Lei Complementar n. 648, de 2017, posteriormente, declaradas inconstitucionais, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 0800165-93.2021.8.22.0000, que transitou em julgado em 25/05/2023, sob pena de responsabilidade solidária do gestor, na eventual hipótese de ainda estar realizando tais pagamentos indevidamente, o que poderá deflagrar, inclusive, a instauração de Tomada de Contas Especial, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
É como voto.
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