Professores da UnB cobram por curso em Rondônia
Por Demétrio Weber
A Universidade de Brasília (UnB), da rede pública federal, oferece cursos pagos de mestrado e doutorado, em parceria com uma entidade privada, em Porto Velho, Rondônia.
Os estudantes desembolsam até R$ 2 mil mensais para assistir às aulas do programa de pós-graduação stricto sensu em Ciências da Saúde. Instituições públicas não podem cobrar pelo ensino acadêmico, e o curso oferecido pela UnB é considerado irregular pelo Ministério da Educação.
Semana passada, o MEC proibiu uma instituição estadual de Tocantins de cobrar por curso de graduação à distância.
No caso da UnB, os diplomas saem em nome da instituição, mas o dinheiro é pago à Associação Instituto Superior de Ciências da Saúde e Ambiente da Amazônia (Instituto Aicsa). O pacote com as disciplinas de mestrado custa R$ 36 mil, em 30 parcelas. O de doutorado, R$ 48 mil, em 24. As aulas em Porto Velho são ministradas por professores da UnB. Além das despesas com viagem e hospedagem, eles recebem remuneração de R$ 130 por hora/aula, o que pode render entre R$ 3.900 e R$ 7.800 por dez dias de trabalho.
Para ir a Rondônia, os professores tiram licença da UnB – por uma semana, em geral – e não têm desconto no salário.
Eles são pagos pelo Aicsa.
Na prática, a pós-graduação oferecida em Porto Velho funciona assim: os estudantes se matriculam no Aicsa e assistem a cursos ministrados por professores da UnB. Coincidentemente, cada curso tem o mesmo tema das disciplinas regulares da pós-graduação em Brasília.
Depois, os mesmos alunos se inscrevem na seleção oficial do mestrado da UnB – que não é feita por prova, mas pela apresentação de projeto de pesquisa.
Aí, pedem equivalência das disciplinas já cursadas em Porto Velho e são dispensados de assistir às aulas em Brasília. Cinco deles que estudaram dessa forma estariam no doutorado, já que seus créditos obtidos em Porto Velho teriam sido validados pelo programa de pós-graduação da UnB em Brasília.
Em Brasília, quem dá o aval para a equivalência das disciplinas cursadas em Porto Velho é o próprio Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UnB, que mantém a parceria com o Aicsa. O coordenador é o professor Carlos Alberto Bezerra Tomaz, ex-diretor-presidente da Finatec – a fundação de apoio da UnB que financiou a luxuosa mobília do ex-reitor Timothy Mulholland, que renunciou em 2008. Tomaz chegou a ser afastado da Finatec pela Justiça.
Ele disse ao GLOBO que cerca de 15% das vagas do mestrado são destinadas a Rondônia. Assim, oficialmente, os alunos seriam colegas dos de Brasília.
– Ele é um aluno da UnB como qualquer outro – diz.
O diretor-presidente do Aicsa, Carlos Alberto Paraguassu Chaves, diz que a associação não tem fins lucrativos. Chaves coordena o curso em Porto Velho, onde é também professor de geografia da Universidade Federal de Rondônia. Ele diz que o instituto mantém “parceria informal” com o curso.
– Nada é de graça – diz.
Chaves nega que o Aicsa ofereça cursos de pós-graduação da UnB. Segundo ele, o instituto apenas prepara candidatos ao mestrado da UnB. No site do CNPq, Chaves diz que é professor da pós-graduação em Ciências da Saúde da UnB. Ao GLOBO, porém, admitiu que a informação não é verdadeira.
“Temos de acabar com essa prática”
UnB diz que desconhecia esquema, suspende turma e abre sindicância
BRASÍLIA. A reitoria da UnB alegou desconhecer a oferta de cursos de pós-graduação em Rondônia. Esta semana, após ser procurada pelo GLOBO, a universidade suspendeu o ingresso da nova turma de mestrandos e abriu sindicância. A pró-reitora de Pesquisa e PósGraduação, Denise Bomtempo, disse que 57 estudantes foram selecionados para o mestrado em Ciências da Saúde no primeiro semestre de 2009. Análise preliminar revelou que 15 deles são moradores de Porto Velho.
– Diante dos indícios, a própria Faculdade de Ciências da Saúde decidiu suspender temporariamente o processo de seleção e ingresso no programa.
Estamos abrindo sindicância para apurar os fatos. Estamos numa universidade pública e gratuita.
Temos que acabar com esse tipo de prática – disse Denise, anunciando ainda a suspensão da oferta de disciplinas de pós-graduação fora de sede.
– A orientação desta administração é a de que as parcerias sejam feitas com instituições públicas – disse o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior.
O diretor de Programas e Bolsas da Capes, Emídio Cantídio Filho, estranha que o curso em Rondônia seja aberto ao público em geral: – Só tem sentido haver um mestrado interinstitucional se o parceiro for uma instituição de ensino superior, para qualificar seu corpo docente. Não tem sentido criar uma empresa para atender o público.
O coordenador do programa de pós-graduação em Ciências da Saúde da UnB, Carlos Alberto Bezerra Tomaz, responsável pela parceria com o Aicsa, diz que o objetivo do curso em Rondônia é levar conhecimento a uma região com pouca oferta de mestrados e doutorados. Ele afirmou que a UnB age conforme o que preconiza a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Em Porto Velho, há dúvidas quanto à qualidade do ensino levado à região. O professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Rondônia, Rodrigo Stábeli, conta que foi convidado por um aluno para ser co-orientador de tese de doutorado no programa da UnB em seu estado, mas recusou.
– É uma pós-graduação PPP: papai pagou, parabéns – diz Stábeli.
fonte: www.oglobo.globo.com – sábado, 7 de março