Necessário retorno às escolas: gradual, seguro e que recupere a aprendizagem
A interrupção prolongada das aulas presenciais, consequência do descontrole da pandemia no País, está causando um profundo e cruel retrocesso na educação brasileira, com graves repercussões na desigualdade educacional, na aprendizagem escolar e no sistema de proteção física, socioemocional e alimentar de milhões de crianças e jovens.
Deve-se fazer um alerta com toda a ênfase possível: se nada for feito com urgência e de forma ampla, o dano a esta geração de estudantes pode ser irrecuperável. Todos nós viveremos em condições muito mais precárias de desenvolvimento social e econômico, dada a relação, há muito consolidada, da educação com o crescimento econômico, a distribuição de renda, a segurança pública, a prevenção de doenças, a proteção ao meio ambiente e o fortalecimento da cidadania e da democracia.
Para mudar essa trajetória precisamos trabalhar para promover o retorno gradual, seguro e que reverta os efeitos brutais no desenvolvimento e na aprendizagem dos alunos das escolas públicas.
Primeiro, é preciso acabar de vez com a polarização, que só promove o atraso. A reabertura das escolas não é “de direita” nem “de esquerda”; não é ser contra ou a favor do presidente; não é ser a favor da vida ou da morte. O que precisamos fazer é alinhar as difíceis decisões com o melhor interesse da coletividade e, principalmente, com o direito à educação de cada uma das crianças e dos adolescentes e jovens do País.
Pois bem, destrinchemos “trabalhar para promover o retorno gradual, seguro e que recupere os prejuízos causados”.
Os esforços devem ser redobrados e acabar com o imobilismo apoiado em proposições desonestas como “aprendizagem se recupera depois”. O árduo processo de reabertura das escolas exige planejamento detalhado, investimento e muito trabalho, como indicamos, no Todos Pela Educação, na publicação Recomendações para o plano de reabertura das escolas nas novas gestões municipais, entregue a todos os prefeitos do Brasil no início deste ano.
A abertura segura passa pela prioridade e pela aceleração da vacinação dos professores, pelo distanciamento físico nas escolas, pela rotina de monitoramento da situação epidemiológica com reação rápida caso haja contaminação ou surto e pela definição de rigorosos protocolos sanitários e de contingência, conjugados à formação frequente de alunos e profissionais da educação. Também são fundamentais a distribuição de máscaras (preferencialmente PFF2 ou N95) a todos os que frequentam a escola e o uso de ambientes com ventilação cruzada, que renove constantemente o ar.
Aqui vale algum esclarecimento acerca das condições físicas das escolas, pois há uma percepção geral equivocada a respeito dessa questão. Não obstante apenas 26% das escolas brasileiras terem quadra coberta (locais que poderiam abrigar mais atividades escolares durante a pandemia), nelas se concentram 48% das matrículas (22,6 milhões de alunos). Também é importante esclarecer que 98,1% dos alunos brasileiros estudam em escolas com água potável. Não há informação pública sobre as condições de ventilação nas escolas públicas, mas esse levantamento deve ser feito em cada rede de ensino, para que as reformas necessárias sejam realizadas imediatamente. O que dizer de secretarias de Educação que mantêm escolas sem janelas nas salas de aula e nada fazem a respeito enquanto elas estão fechadas?
Por fim, é preciso recuperar os prejuízos, com um amplo esforço de busca ativa e de ações intersetoriais para garantir que todos os alunos voltem às escolas e nelas permaneçam. O retorno demanda momentos de acolhimento e suporte emocional e de fortalecimento de vínculos entre alunos e profissionais da educação. Além de, é claro, uma organização pedagógica voltada para mitigar os brutais efeitos da pandemia no desenvolvimento e na aprendizagem dos estudantes: reorganizar currículos, repensar os calendários e desenvolver, com os professores e gestores escolares, estratégias de identificação e de superação das lacunas de aprendizagem.
Os professores vacinados deveriam voltar imediatamente às escolas; as escolas com infraestrutura mais adequada devem reabrir antes, enquanto as outras devem ser reformadas imediatamente; os alunos mais vulneráveis devem ter prioridade na reabertura.
Frases de efeito como “reabrir escolas é genocídio”, “educação depois se recupera”, ou “professor não quer trabalhar”, “tem que reabrir tudo porque não há contágio nas escolas”, promovem inação e ódio. O trabalho é enorme e nada trivial para garantir as condições necessárias, ao mesmo tempo que não podemos esperar por uma situação perfeita (fim da pandemia, todos vacinados, 100% das escolas com infraestrutura ideal) para iniciar de forma progressiva e segura a reabertura das escolas. Onde e quando for possível e seguro, é preciso reabri-las.
Que o comércio de maneira geral possa reabrir enquanto as escolas permanecem fechadas é tão sintomático quanto cruel. Escancara as prioridades e um descaso absoluto com alunos e professores das escolas públicas e com nosso próprio futuro.
A vida desses alunos depende de quebrarmos o imobilismo. É possível fazer muito, então façamos!
Priscila Cruz, O Estado de S.Paulo
COFUNDADORA E PRESIDENTE EXECUTIVA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO